29 de nov. de 2008

A cada livro que lemos nos transformamos um pouco mais, e em algo melhor. Dizia Borges que o livro não passa de papel e tinta, o que lhe dá vida e relevo é o que acontece na mente do leitor.

A leitura é um processo tão complexo que talvez não possa ser totalmente explicado. Parece ser a relação mais íntima que pode existir entre duas pessoas, pois o autor revela-se em sua plenitude, e o leitor descobre a verdade ali contida. Nessa comunhão secreta e tantas vezes apaixonada, a mente do leitor aprende a funcionar de uma nova maneira, ampliando suas possibilidades de raciocínio e sua percepção. A verdade do autor, por sua vez, torna-se uma nova verdade, ampliando-se, recebendo e incorporando a cada leitura uma nova interpretação. Cada leitor transforma o livro, e a cada geração de leitores o livro se amolda, vindo ao encontro das necessidades interiores e das relativas ao tempo, à época. A mobilidade de um livro é tão extraordinária quanto a de um leitor.

A leitura de um livro se dá em vários níveis, e processos acontecem ao mesmo tempo, em intensidades que variam de leitor para leitor. Há a leitura da trama, talvez a mais superficial; a leitura dos sentimentos dos personagens e do autor, que possibilita ao leitor experimentar novas emoções ou emoções esquecidas e não realizadas na vida cotidiana; a leitura da linguagem que o livro apresenta, em que desenvolvemos nossa percepção lingüística, e a de significados; a leitura das palavras em si e da forma como se organizam nas frases, da cadência da escrita, que provoca em nós um sentimento de prazer estético e que refina nossos sentidos; a leitura ideológica, que nos faz pensar em nossas próprias crenças e nas alheias; a leitura filosófica, que nos leva a questões da existência humana; a leitura religiosa e a ontológica, que nos aproxima de Deus. A leitura, enfim, da literatura nos traz toda a história do espírito humano. Assim, aprendemos a ler, a falar, a pensar, a escrever, a olhar, a imaginar, a sonhar, a viver, enfim.

Ana Miranda. A leitura. In: Caros amigos.
São Paulo, n.º 93, dez./2004, p. 10 (com adaptações).