17 de ago. de 2010

Caixinha de chicletes

Pequenos objetos têm o poder de nos despertar fortes lembranças e nos remeter ao passado. Um desses objetos em minha vida é uma caixinha de chicletes, daquelas amarelinhas.
Foi no final de 1998 ... eu estava de férias e chegava a São Domingos do Prata vindo de Itabira onde visitara meu irmão. Estava cansado depois de uma viagem baldeando ônibus, com a fome avisando que já havia passado a hora do almoço e com saudades de minha esposa, que nessa época ainda morava no Prata.
Desci do ônibus na praça central e atravessava o pequeno centro comercial, naquela agitação calma de cidade pequena, quando escuto dois toques de buzina. Em cidades como o Prata a buzina tem uma função diferente das capitais. Raramente se buzina para pedir passagem, alertar do perigo ou mesmo para ofender o pedestre ou outro motorista. Em pequenas cidades a buzina tem a função de cumprimento, normalmente quer dizer um “olá, como vai!”.
A buzina era destinada a mim e, ao volante de sua Brasília verde desbotada, estava minha mãe. Ela estava com aquele rosto sorridente, olhos apertados, debruçada sobre o bando do carona. Lembro-me de seu rosto neste momento como se estivesse olhando uma fotografia: sem maquiagem, cabelos amarrados para trás, uma blusa clara. Fui até ela e, com o carro parado no meio da rua, dei-lhe um beijo pela janela.
- Ei nêgo!
Nêgo ou nêga era uma das formas mais carinhosas que ela tinha de se dirigir a uma pessoa.
Ela estava indo fazer compras e me chamou para acompanhá-la. Este nunca foi um dos meus programas favoritos, estava cansado e com fome, mas fui assim mesmo.
Gastamos pouco mais de uma hora para fazer as compras e depois ela me deixou na casa da minha sogra. No momento em que descia do carro e puxava minha mochila para fora, ela me pediu para que pegasse um chicletes para ela.
Nesta época o meu cunhado tinha um bar por baixo da casa da minha sogra. Corri até o balcão, enchi a mão com aqueles chicletes da caixinha amarela mal cumprimentando meu cunhado e voltei correndo ao carro enquanto ela terminava de manobrar para voltar por onde tínhamos vindo.
Lembro-me claramente da mão dela saindo pela janela, palma voltada para cima, eu posicionando minha mão sobre a dela e abrindo devagar, enquanto as caixinhas caíam na mão dela. Não me lembro do rosto dela neste momento, nem mesmo me lembro se lhe dei um beijo antes que ela arrancasse o carro. Mas me lembro que meus dedos roçaram a mão dela e senti a mão dela quente.
Cada vez que vejo uma caixinha amarela de chicletes eu me lembro deste segundo porque esta foi a última vez que toquei minha mãe. Eu nem me lembro se a beijei na despedida, mas aquele toque me é inesquecível. Na manhã seguinte chegam me avisando que ela estava passando mal e havia ido para o hospital. Na verdade ela não chegou viva ao hospital.
Cada vez que vejo uma caixinha amarela de chicletes eu me lembro que talvez aquele momento seja a minha última chance de fazer algo muito importante, como dizer a alguém que eu o amo!