14 de dez. de 2009

Atalhos para a alma

O senso estético faz parte da formação humana desde a pré-história. O equilíbrio de cores das pinturas rupestres, o ritmo dos tambores, o som melodioso das primeiras flautas esculpidas em ossos ou as pinturas corporais e danças que identificavam as tribos, festas e manifestações religiosas foram as primeiras expressões do que hoje chamamos arte. Por mais requintada que seja, por mais técnica que exista na sua confecção ou apreciação, a arte só se justifica pelos mesmos motivos que se justificavam na arte pré-histórica: A arte é um atalho para a alma!

Há mais de um ano, nós do grupo Jurassic Prodes estávamos nos preparando na organização da Primeira Parada Prodes da Fazenda Recanto de Caná, que ocorreu nos dias 28 e 29 de novembro último. Durante este tempo, ponderamos como adaptar um encontro originalmente feito para adolescentes de forma a atingir um público muito mais diverso em idades, culturas e vivências. Ao contrário dos adolescentes que se vêm com a vida toda pela frente, cheios de planos e sonhos, nosso público dessa vez consistia de pessoas que chegaram ao fundo do poço e buscavam desesperadamente por uma saída. Como tocar essas pessoas? Como despertar nelas a vontade de viver? Como incentivá-las a encontrar forças para lutar?

Durante todo o mês de novembro eu e a Carlinha nos preparamos para o encontro montando a palestra Pessoa Humana Auto-Educada. Neste período, dentre tantas preocupações na preparação de uma palestra como essa, procurávamos encontrar uma forma de despertar o interesse e quebrar aquela resistência inicial tão comum em encontros como esse.

Logo no início do encontro, por iniciativa dos próprios internos, com um deles ao teclado e todos com a voz, entoaram a música “Entra na minha casa”. Neste momento percebi que minha preocupação em quebrar sua resistência inicial e abrirem o coração para receber a palavra que levávamos era infundada. Muito pelo contrário, foram eles, com aquela música, cantada tantas vezes durante o encontro, que nos fez render aos ensinamentos que eles passaram a nós.

A música era cantada por eles com tanto amor, tanta ênfase, tanta vontade, que era impossível não se sensibilizar e sentir toda aquela energia no ar. Cantavam a uma só voz, uma só alma, a música que era um hino para eles, uma tábua de salvação. A energia trocada ali era quase palpável, sentia-se no ar a angústia e a tristeza, mas também a esperança e a força para lutar.

Que outra forma de tocar a alma tão profundamente senão pela a arte? A arte no mais puro conceito, feita com o coração mas principalmente interpretada com a alma. Que outra forma existe de trocar energia de forma tão sublime, tão intensa? Só imagino mais uma: a oração! Mas o que aqueles internos faziam era orar cantando. Eles expressavam no canto suas orações mais íntimas, seus desejos, sua esperança e seus pedidos. E quantas vezes não usamos orações cantadas em nossos encontros?

A arte é um atalho para a alma, seja ela uma música, uma pintura, um poema... Naquele encontro eu fui tocado como em nenhum outro encontro. Aprendi numa dimensão muito maior do que ensinei. Vivi com os outros dirigentes, com o Padre Osvaldo, mas principalmente com os internos, momentos de sublime interação com Deus.

Ontem, dia de domingo, churrasco na casa do vizinho, por sobre o muro escutei pagodeiros bêbados e desafinados cantando. O dia inteiro exerci minha política de boa vizinhança aguentando aqueles desafinos e gritaria, mas eis que de repente começam a cantar “Entra na minha casa” e instantaneamente volto dois domingos e me vejo na Fazenda de Caná e já não escuto mais os bêbados desafinados, escuto os internos cantando com alma, com força e esperança em dias melhores. Novamente estava comungando com eles, voltam-me à memória rostos, palavras, abraços e vem a certeza de que aquele encontro será eterno em meu coração, um divisor de águas. De agora para sempre, aquela música é um atalho para minha alma, meu coração e meu espírito.

Sei que aquele encontro não foi especial somente para mim. Como todos os dirigentes daquele encontro que conversei se manifestaram de maneira parecida. Foi como reviver a minha primeira Parada Prodes, mas agora de maneira muito mais intensa, com muito mais condições de absorver e aprofundar-me em tudo que aconteceu naquele encontro. Ainda assim, aquela música, nos primeiros minutos do encontro, atingiu diretamente minha alma com uma velocidade e força imensas. Isso porque aquela música não foi simplesmente um atalho para minha alma, mas também um atalho para a alma daqueles que a cantavam com tanta emoção. Nossas almas estavam juntas … juntas na palavra do Senhor.

2 comentários:

  1. Está mesmo inspirado, meu amigo. Muito bom ter notícias suas! Grande abraço,
    Renato

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  2. Olá Renato

    Obrigado pelo comentário.
    Saudades de você, meu amigo.

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